Autenticidade é importante para mim. Mas há uma tensão entre autenticidade e conveniência. As experiências mais autenticas tendem a não se enquadrar muito bem na vida moderna.
Caso dos videojogos: quando jogo um jogo de Megadrive, parte da experiência é a ligação entre o videojogo e o comando (coisas mais relevantes nessa época do que agora, em que a maioria dos jogos são feitas para máquinas com comandos quase idênticos).
Mas os jogos de Megadrive — com notáveis excepções — eram feitos para um público diferente com vidas diferentes. Um exemplo: Dynamite Headdy. Como muitos jogos de Megadrive, este jogo oferecia um desafio considerável, e tinha que ser terminado de uma assentada (ou durante o tempo que fosse possível ter a consola em pausa sem que esta se transformasse numa bola de plástico flamejante.) Era comum dominar o jogo até determinado nível, e depois perder várias vezes no mesmo local, até se decorar os padrões inimigos e saber como aplicar as mecânicas de jogo à situação.
Claro que perder várias vezes implicava recomeçar o jogo do início. Jogos modernos encurtam o período de aprendizado porque nos colocam quase imediatamente no local onde perdemos. Na maioria dos jogos antigos, encontrar um obstáculo implicava voltar a jogar na íntegra todo o jogo até ele, várias vezes.
Ótimo para uma criança com tardes intermináveis de templo livre para matar. Pior para um adulto com responsabilidades. A solução dos tempos modernos é re-editar estes jogos com algumas melhorias de qualidade de vida, como, por exemplo, a opção de gravar. É uma boa iniciativa, mas em primeiro lugar, poucos são os jogos antigos com direito a este tratamento. Mais importante: perde-se autenticidade. Não porque as máquinas de hoje tenham dificuldade em replicar os jogos de outrora (esses tempos já lá vão…), mas, porque os comandos, a nossa forma de interagir com o jogo, mudaram bastante (em alguns casos, radicalmente — a disposição de botões em linha da MegaDrive e Sega Saturn nunca mais foi replicada).
Face à escolha entre jogar os jogos nas máquinas originais — uma solução cada vez mais onerosa — para máxima autenticidade, mas muita inconveniência, e jogá-los em máquinas modernas sacrificando a experiência táctica em alguma medida, a emulação oferece algum compromisso.
Falo especificamente da emulação não-oficial que está cada vez mais acessível em computadores, dispositivos portáteis, ou consolas criadas especificamente para esse efeito, não a emulação que é utilizada para correr estes jogos em compilações para máquinas “oficiais.”
Usando estas soluções, é relativamente fácil conectar, por USB ou Bluetooth, replicas — oficiais ou não — dos comandos de antigamente, e ter acesso a experiências bastante fieis aos originais, tanto no panorama áudio-visual como táctil.
Esta tendência pode parecer “de nicho,” que importa apenas a pessoas como eu, que cresceram com os videojogos e se recusam a largá-los. Mas recentemente, a Nintendo passou a oferecer a possibilidade de comprar replicas dos comandos das suas antigos consolas para usar com as versões digitais de jogos dessas mesmas consolas que disponibiliza com o serviço Switch Online.
A Nintendo nem sempre é a melhor companhia no que toca a ler a melhor estratégia para fazer dinheiro no mercado, mas são uma das poucas que encara com seriedade o património histórico da sua produção artística; o facto da sua decisão encaixar na minha linha de pensamento dá-me alguma esperança que a minha preferência por autenticidade em mais do que aquilo que se vê no ecrã não seja uma causa perdida.