Embora sempre tenha gostado das séries de artigos sobre “Jogos do Ano” que as publicações fazem no final de um ano ou no inicio do outro, não gosto da terminologia.
Declarar que um jogo é “o jogo do ano” implica que joguei todos os outros. Uma tarefa impossível nos dias que correm.
Assim, adoptando a estratégia famosa da Carsberg, decidi fazer uma série de artigos sobre os meus cinco jogos favoritos do ano que passou – “provavelmente” os melhores jogos do ano.
E o número 1 é…
The Witcher 3: Wild Hunt
Que anti climático, não é? Mas não escrevo aqui para ser diferente. Escrevo aqui para explicar quais os meus jogos favoritos e porquê – e seria uma grande desonestidade dizer que The Witcher 3, um jogo feito especialmente para mim, não o era.
Normalmente fujo aos estrangeirismos, mas neste caso vou fazer uso liberal do termo Role Playing Game (RPG) porque acho que o equivalente Português (Jogo de Representação de Papeis) é incomum ao ponto de se tornar um entrave à leitura.
Portanto, falemos acerca de Witcher 3.
Debatia-se há uns anos, nos círculos em que se debatem essas coisas, a triste dicotomia do RPG moderno.
A realidade do desenvolvimento de jogos e custos associados exigia que um RPG, para ser bonito e soar bem e ter cenas bombásticas dignas de filmes de aventura épicos e portanto, apelar às massas e ser bem sucedido num panorama comercial, teria que ser sempre um projecto de foco reduzido, uma aventura largamente linear com uma ou outro bifurcação no caminho “só porque sim”, com diálogo limitado e pouco flexível para evitar os custos astronômicos de gravação de voz que estariam implicados em dar vida a uma quantidade de texto como a que existia nos RPGs de antigamente.
Exemplos desta política, entre outros, foram jogos como Skyrim – que apresentou um magnífico mundo aberto, mas sacrificou uma trama complexa e populou-o com manequins sem personalidade – Dragon Age II – que tinha um sistema de combate fluído e dinâmico, mas se cingia a um cenário tão limitado que por vezes me sentia como se estivesse a assistir a uma peça de teatro com tão pequeno orçamento que o director tinha que colocar o mesmo fundo em várias posições para simular cenas novas – e Mass Effect II – que era basicamente um jogo de tiros em que as personagens podiam subir de nível e falar ocasionalmente umas com as outras.
E eu gostei de todos estes jogos, joguei-os do principio ao fim, e no caso de Skyrim, mais do que uma vez – no entanto parecia sempre faltar algo, faltar parte do que, no passado, tinha feito do género RPG o meu tipo de jogo favorito.
Faltavam os mundo expansivos e reactivos, o vasto leque de opções no desenvolvimento das personagens, o texto tão descritivo e diálogo com tanta nuance que por vezes dava a impressão de estar a ler um livro interactivo.
Mas eu escrevi que havia uma dicotomia, e é verdade. Pois na sombra dos blockbusters gigantescos, estúdios pequenos e/ou independentes continuavam a trabalhar em jogos muito mais modestos, sem gráficos de topo ou diálogos gravados, mas mantendo a tradição de expansividade, de variedade de opções, de riqueza narrativa dos RPGs de antigamente.
O exemplo mais marcado deste movimento-sombra será o catálogo da Spiderweb Software, jogos com aspecto e estrutura retro mas sensibilidades modernas, e mais recentemente, a enchente (apelidada por alguns como a “renascença” dos RPGs) de projectos Kickstarter de companhais veteranas como a Obsidian Entertainment, a Larian Studios ou a inXile.
Algures num passado recente, alguém decidiu que estas duas escolas de produção de RPGs seriam sempre impossíveis de reconciliar, que o custo e tempo necessário seriam incomportáveis.
Com The Witcher 3, a CD Projekt Red tentou o impossível.
E o sucesso foi quase completo.
Uma história que conto quase tanto como a história da minha directa com o Halo original é a seguinte: de como, a jogar Ishar II no meu Amiga 600, me encontrei a determinado ponto numa ilha coberta de neve, um território hostil onde as minhas personagens levavam dano do frio, e tão íngreme que uma podia morrer aleatoriamente a qualquer momento devido a uma queda, caso a equipa não estivesse ligada por cordas.
A explorar cautelosamente a ilha, dei de caras com um par de gigantes, que pareciam imunes aos meus ataques. Comecei a fugir desesperadamente, por entre os corredores formados pelas montanhas. Já não sabia de onde tinha vindo, e perdi-me, com os gigantes a perseguir. Por fim, dei com um beco sem saída.
Mas! À minha frente flutuava uma espada, uma espada enorme e elaborada. Fiz o meu guerreiro pegar na espada, e voltar-se contra os gigantes. De súbito, já eram vulneráveis aos meus ataques. Nem toda a equipa sobreviveu ao confronto, mas a vitória tinha sido arrancada das garras da derrota.
Considere o leitor a história que acabei de contar. É obvio que, tendo tudo acontecido em mecânicas de um jogo com muitos anos e gráficos arcaicos, foi preciso um grande esforço da minha mente jovem para usar a imaginação de forma a tapar os buracos.
Mas e se isso não fosse preciso, perguntava-me eu?
E assim imaginava outra coisa, um dia em que as consolas e computadores fossem tão avançados, os produtores tão mestres da sua arte, que fosse possível ver, realmente, no ecrã, as cenas épicas de acção que imaginara; um dia em que um combate não fosse meramente uma troca de animações perras, mas uma cena fluída, com movimentos acrobáticos, desvios, ataques e contra ataques, com bolas de fogo a voar por entre tempestades mágicas.
Um dia em que viajar por um mundo não fosse meramente avançar de quadrado em quadrado, preenchendo um mapa, mas fosse montar um cavalo e largar por um mundo aberto, impedido apenas por rios e montanhas e mares – montanhas que poderiam ser escaladas, mares que poderiam ser navegados.
Um dia em que as personagens não fossem meros manequins ou pedaços de papel pintado com texto associado, mas andassem pelo mundo, se deslocassem, vivessem e morressem, com os seus próprios objectivos e ambições, com uma caracterização que os tornasse, se não reais, pelo menos próximos o suficiente para bastar distracção em vez de imaginação para os ver como tal.
Vinte e dois anos depois, The Wicher 3 foi o jogo – o primeiro jogo – que correspondeu ao que eu tinha imaginado.
É perfeito? Não. Qualquer coisa que não seja a realidade virtual perfeita exemplificada pelo “holo-deck” da série StarTrek terá sempre defeitos a ser apontados.
Mas nunca nada esteve mais próximo daquilo que imaginei que seria o futuro, no longínquo ano de 1993.
Por isso, é o meu jogo favorito deste passado 2015.