Embora sempre tenha gostado das séries de artigos sobre “Jogos do Ano” que as publicações fazem no final de um ano ou no inicio do outro, não gosto da terminologia.
Declarar que um jogo é “o jogo do ano” implica que joguei todos os outros. Uma tarefa impossível nos dias que correm.
Assim, adoptando a estratégia famosa da Carsberg, decidi fazer uma série de artigos sobre os meus cinco jogos favoritos do ano que passou – provavelmente os melhores jogos do ano.
E o número 2 é…
Tales From the Borderlands
Por onde começar? Não tenho grande opinião acerca da série Borderlands. Joguei um pouco do primeiro jogo com uma amiga, e pouco mais fizemos do que a primeira região – não nos cativou.
Quase o mesmo aconteceu com o segundo, que comecei a jogar com o meu irmão. Também não chegamos muito longe. Concordámos que o jogo era giro, mas entretanto fomos jogando outras coisas e não voltámos lá.
Estava quase para não pegar em Tales From the Borderlands. Porque o faria?
É certo, quem me seguir conhece o meu amor pela Telltale Games, pelo trabalho que eles fizeram, modernizando a aventura gráfica, tornando-a mais acerca de decisões numa história largamente linear mas flexível, do que sobre os tradicionais quebra-cabeças, muitas vezes obscuros.
A Telltale Games teve a capacidade de fazer aquilo que muitos não alcançam, a capacidade de parar e perguntar: “Porque é que as pessoas realmente jogavam estes jogos? Anos depois, do que é que elas falam?”
A resposta raramente seria “Aquele quebra-cabeças em que é preciso montar uma armadilha para tirar o pêlo de um gato para fazer um bigode falso para tirar uma fotografia com bigode para um passaporte.”.
Haverão os aficionados ferrenhos dos quebra-cabeças, é certo, mas a maioria das pessoas jogava estes jogos por causa da história. Dos mistérios. Das personagens engraçadas ou carismáticas. Dos diálogos interessantes. A parte dos quebra-cabeças, para muitos, só servia para prolongar o jogo.
E assim, a Telltale chegou à sua formula vencedora de história interactiva – por vezes mais interactiva, por vezes menos – que me fez perder de amores pelo “The Walking Dead” e pelo “The Wolf Among Us”.
Mas a história de amor não durou, a produtora revelou-se inconsistente. “The Walking Dead: Season 2” não teve nem de perto o impacto do antecessor, com uma trama muito mais seca e menos emocional, e personagens desinteressantes.
E “Game of Thrones” conseguiu agarrar em quase todos os elementos, temáticas e personagens da série de livros / televisão… E falhar em usá-los de forma eficaz, culminando num final aberto menos satisfatório do que qualquer uma das temporadas / livros. Algo que nunca, diga-se de passagem, fora o seu forte.
Portanto nesta casa já havia muito pouco amor pela Telltale. Não sei o que me possuiu para comprar um jogo de uma série qual não tenho interesse, feito por uma produtora cujos últimos jogos me desapontaram.
Mas ainda bem que o fiz.
Tales From the Borderlands (TFB) fez-me rir como já não me ria desde o remaster de Secret Monkey Island. Fez-me lembrar como há tantos jogos que querem ser engraçados, mas tão poucos que conseguem mesmo fazer rir.
O segredo, talvez, é não se assumir como uma comédia per se.
TFB é uma aventura de ação, a história de como um grupo de empregados de uma mega-corporação tenta aldrabar um cartel criminoso em busca de fortuna, e se vêem em fuga, acompanhados por um par de vigaristas e à procura de um tesouro que pode ser a sua última hipótese de salvar a pele (e ficar ricos).
Parece uma narrativa mais adequada a um filme de Tarantino do que a um vídeo jogo, não parece? E os argumentistas da Telltale safam-se muito bem.
Criaram um leque de personagens únicas, e equilibraram bem momentos de tensão, com momentos de acção, com ainda momentos de comédia e algumas passagens simplesmente… Felizes, com uma banda sonora de luxo que combina o neo soul, o rock indie, e o country.
É notável a reverência com que este mundo, que eu só tinha conhecido anteriormente a partir da perspectiva de uma arma flutuante, levou uma injecção de personalidade.
Mas longe de se distanciar dos jogos de tiro, TFB presta-lhes homenagem e sátira em igual dose. A determinada altura uma das personagens recebe uma pistola com uma bala. Uma só bala?! “E é melhor não a usar. O teu forte é usar o diálogo para alcançar o teu objectivo.”
Isto dito numa série que ate à data se caracterizou por usar centenas de armas para matar milhares de inimigos.
Mas é verdade – logo ao longo do primeiro episódio, a opção de usar a arma surge inúmeras vezes. Mas só há uma bala, e nunca mais que uma bala. E, – note-se – nunca tem que ser usada. Mas é (quase) sempre uma opção.
Não vou dizer que neste jogo as decisões importam mais do que nos outros jogos da Telltale, em que raramente nos podem matar e normalmente só afectam a narrativa em formas menores.
Mas algumas importam. Algumas podem matar. E se o final acaba por ser sempre o mesmo, as nossas decisões personalizam-no mais do que nunca.
O mais importante, no entanto, é que este é um jogo que, em cinco episódios, me fez apaixonar por um mundo que me deixava indiferente, e me cativou não com uma ou duas personagens, mas com um elenco inteiro.
Não é por acaso. Aqui é palpável uma coisa cada vez mais rara: o entusiasmo de quem neste jogo trabalhou.
Há um cuidado louvável na preparação de cada cena, de cada angulo de câmara, das pequenas descrições que podem ser ignoradas por completo mas que estão lá. Referências sobre referências de apaixonados por cinema e vídeo jogos.
Uma batalha de carros estilo Mad Max? Está lá. Lançamento de um foguetão espacial, com direito a reverente introdução musical à medida que os astronautas caminham em câmera lenta para o vaivém? Está lá. Preparações de assalto estilo Ocean’s Eleven? Está lá. Homenagem combinada a Power Rangers e Streetfighter? Sim. Sim.
Que doce loucura. Que jogo fantástico.