Embora sempre tenha gostado das séries de artigos sobre “Jogos do Ano” que as publicações fazem no final de um ano ou no inicio do outro, não gosto da terminologia.
Declarar que um jogo é “o jogo do ano” implica que joguei todos os outros. Uma tarefa impossível nos dias que correm.
Assim, adoptando a estratégia famosa da Carsberg, decidi fazer uma série de artigos sobre os meus cinco jogos favoritos do ano que passou – provavelmente os melhores jogos do ano.
E o número 3 é…
Metal Gear Solid V: The Phantom Pain
De todos os meus jogos favoritos deste ano, Metal Gear Solid V: The Phantom Pain (doravante MGSV) tem a distinção de ser o único que ainda não acabei, embora o tenha jogado durante mais tempo do que qualquer um dos outros, salvo um.
Normalmente não apresentaria o meu veredicto em relação a um jogo sem o acabar – a menos que o veredicto fosse “é tão mau que não o consigo acabar” – mas neste caso, uso esse facto como prova da sua qualidade.
É que eu nunca tive grande interesse por jogar os jogos da série Metal Gear Solid, para além do original.
Sempre foram jogos em que o que me interessava era a história, a narrativa completamente tresloucada que mistura elementos clássicos das obras de espionagem, contra-espionagem e teoria de conspiração ocidentais com uma dose do excesso animesco oriental. Interessava-me ver as personagens caricatas a ter discussões filosóficas utilizando revólveres como metáforas para a condição humana, ou revelar um estranho fetiche por caixas de cartão.
Era uma comédia séria que acabava por me fazer interessar pelo destino, segurança e felicidade das personagens, e que me fazia tentar despachar “o jogo” o mais depressa possível para poder chegar à próxima dose de narrativa.
Em MGSV, a narrativa está mais dispersa e, ouso dizer, mais terrena (se bem que é com grande prazer que, a meio de uma missão em solo inimigo, oiço uma personagem elaborar durante cinco minutos acerca do seu fetiche por hamburgers ) mas continua lá, e continua a apelar. Mas o jogo em si captivou-me tanto que já não o tento despachar para chegar ao sumo narrativo.
Este é um jogo incrível de acção furtiva. Aliás, isso não é fazer-lhe justiça.
Este é, realmente, um simulador de infiltração militar. Pondo de parte os excessos fantásticos que incluem inimigos sobrenaturais, crianças com capacidades telequinéticas e robots gigantes controlados por telepatia, entre outras coisas, este é o jogo que melhor retrata o que será a experiência de um soldado encarregue de, por si só e com relativamente parco equipamento, se infiltrar numa base inimiga e cumprir uma missão que pode alternar entre o resgate de pessoal ou documentos, assassinato de comandantes inimigos, ou recuperação de armamento.
É uma fantasia poderosa, a de ser deixado por um helicóptero no meio de território inimigo, marchar por entre os desertos áridos do Afeganistão até avistar a base inimiga, encontrar um ponto alto onde ficar ajoelhado, a observar e marcar todas as patrulhas inimigas com os avançados binóculos. De repente: uma tempestade de areia, a oportunidade perfeita. Mas o reconhecimento ainda não foi terminado.
Arrisca-se, toma-se a oportunidade, aproveitando a cobertura dos elementos para avançar, mesmo despreparado? Ou espera-se que passe a tempestade, termina-se o reconhecimento, e “encomenda-se” à equipa de apoio o equipamento necessário para executar um plano que acabou de surgir, equipamento a ser largado de paraquedas passado um par de minutos?
E se, optando pela aproximação mais cautelosa, e já a meio da execução do plano perfeito, for contactado pela equipa de informação, com as noticias de que está um esquadrão a entrar na base, armado até aos dentes e com o objectivo de eliminar o meu alvo antes que eu o possa resgatar?
O mundo de MSGV não é dos mais dinâmicos. Os dois grandes cenários são uma vasta expansão do Afeganistão e da fronteira entre Angola e o Zaire, e em todo esse espaço há pouco mais do que bases e acampamentos militares, patrulhas e alguns animais selvagens. Não há civis, e poucos vestígios deles se encontram para além das ocasionais cabanas abandonadas.
Mas o mundo militar nestes territórios é rico, vive e respira. Os soldados desconfiam e investigam, vivem as suas rotinas, cansam-se e vão dormir, são revezados à hora apropriada, decidem investigar se virem uma cabra a fugir aos berros de um arbusto inquieto.
MGSV não está interessado em criar um mundo vivo. Está interessado em criar uma estrutura rica para se brincar com soldados de chumbo, para se viver a fantasia de ser a mistura de Rambo e Jason Bourne que o “Big Boss”, AKA Venon Snake, representa.
E para que o jogador possa viver essa fantasia, o jogo oferece mais de uma centena de missões opcionais, algumas completamente livres, outras com algumas restricções: que tal repetir algumas das missões mais difíceis do jogo sem acesso a nenhum tipo de equipamento ou suporte, contando apenas com a nossa habilidade de roubar armas e veículos aos inimigos?
E as horas vão se passando assim, a fazer e concretizar planos, a entrar e sair despercebido de bases pela calada da noite, objectivo cumprido – ou não, ser apanhado em flagrante e lutar pela vida contra uma dezena de guardas, fugindo por entre saraivadas de balas até conseguir roubar aquele tanque se viu estacionado no meio da base, e fazer uma saída digna do mais rídiculo filme de acção.
Não posso dizer que MGSV seja um grande Metal Gear – falta-lhe a narrativa abusada, e uma certa dose de “japonesice” que se perdeu na tradução para uma estrutura mais aberta, mais moderna.
Mas é um grande jogo.