Completamente contra os meus planos, acabei por jogar vários jogos lançados no ano passado. Apesar de todas as suas mazelas, 2020 foi um bom ano para os video jogos. Nesta série de artigos, vou dizer quais os dez jogos de 2020 que deves jogar, e por quê.
Sakuna, of Rice and Ruin
Sakuna é um jogo de ação e plataformas com elementos de RPG. Além disso, é um video jogo que regozija em ser video jogo. Percebe-se isso porque, apesar do seu estilo colorido, vai contra as convenções atuais de simplificar mecânica e estrutura. Este é um jogo multifacetado, que apresenta ao jogador muitos conceitos distintos para dominar.
O mais característico é aquele referido no título, o arroz. A titular personagem principal pode aumentar as suas capacidades tanto ganhando experiência através de vitória em combate, como criando e equipando armas e armaduras mais poderosas. A sua plantação de arroz, no entanto, é aquilo que, ano após ano (no jogo, um ano dura apenas uma dúzia de dias) a faz crescer mais. A qualidade do arroz que produzimos está diretamente ligada à evolução da personagem.
É aqui que o jogo impressiona, pois, não tem medo de ensinar e conduzir o jogador através da miríade de passos implicados na produção do cereal, desde a preparação do solo até à forma final do grão. Tudo isto acontece sobre a forma de mini-jogos que não têm medo de tentar simular a repetitividade e morosidade do processo.
Dá gosto ver um jogo assim em 2020. Os produtores de Sakuna decidiram que o jogo que tinha que oferecer uma experiência ao jogador, e concentraram-se nela com um mínimo de compromissos. Um livro pode descrever o processo, e um filme pode retratar o drama inerente à vida do agricultor, mas apenas um video jogo nos poderia fazer sentir, de uma forma condensada, a labuta do dia-a-dia do produtor de arroz.
É claro que só dar trabalho repetitivo ao jogador nunca é receita para um bom jogo. Sakuna consegue justificar o tempo e paciência de várias formas.
Em primeiro lugar, todas as atividades repetitivas fazem sentido mecanicamente em relação à etapa do processo de produção de arroz, conforme descrito.
Em segundo lugar, fazem sentido estruturalmente; estão distribuídas de forma inteligente ao longo do ano de jogo, e assim nunca executamos a mesma tarefa muitos dias de seguida; também se encaixam na rotina do dia de jogo do jogador, que inclui lutar contra inimigos para “purificar” áreas do mundo, e recolher materiais para fazer alimentos e ferramentas. Estas atividades são influenciadas pelo ciclo dia/noite do jogo, e nem sempre as queremos executar na mesma sequência.
Em terceiro lugar, a morosidade das tarefas faz sentido de um ponto de vista lógico mas também se encaixa na narrativa do jogo, de forma psicológica e prática; por um lado Sakuna está a ser castigada pelas infrações que cometeu; por outro, ela e os seus companheiros precisam de comer, e a colheita é a única forma plausível de suprir as suas necessidades alimentares.
Estes factores conjugam-se com o referido no início: o final de uma colheita representa um salto enorme no nível de poder da personagem, e o jogador não só sente que é merecido, como pode imediatamente ver, em combate, o resultado dos seus esforços; inimigos que há um dia eram ossos duros de roer, vêm-se derrotados com muito mais facilidade após a colheita.
Sakuna remete-nos a um tempo em que cada jogo exibia a excentricidade dos seus criadores; em que era comum pegar numa estrutura base e acrescentar-lhe um giro mecânico ou estrutural que dava personalidade ao jogo e o distinguia dos seus congêneres. É bom ver que em 2020 ainda há equipas de desenvolvimento que se atrevem a fazê-lo.